sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Release

Figura marcante da cultura brasileira. Memória viva da história da música popular. Esses são alguns dos pensamentos que vêm à cabeça quando o assunto é Hermínio Bello de Carvalho. Alguns por dois motivos: um porque Hermínio é inclassificável (talvez por isso rejeite rótulos); outro porque mesmo que se ousasse arriscar, a tarefa seria árdua.
Hermínio é multifacetado nos quesitos “cultura” e “Brasil”, tendo atuado – e continuando na ativa –, em inúmeras atividades, sobretudo na música e na literatura brasileira, desde a década de 40.
Em Timoneiro, o jornalista Alexandre Pavan narra a trajetória profissional de Hermínio Bello de Carvalho, entremeada com boas histórias sobre os personagens, fatos e causos da música popular brasileira vividos em todos esses anos de agitação cultural do compositor.
Os 70 anos do artista, completos em 2005, foram motivo de criação de um projeto que viabilizasse a produção da obra de Hermínio em espetáculos, CD e livros. Os shows aconteceram no Centro Cultural Carioca, a gravadora Biscoito Fino lançou a caixa com CDs e a antologia poética foi publicada pela Martins Fontes.

Mais vivo do que nunca
O livro não segue o padrão cronológico tradicional de biografias. Pavan optou por traçar um panorama da atuação multifacetada e precoce de Hermínio – que, além de ter visitado com freqüência o auditório da Rádio Nacional na infância e adolescência e escrever poesias desde menino, começou no jornalismo aos 15 e em rádio aos 18 –, mesclando os acontecimentos culturais de épocas retratadas com depoimentos concedidos pelo protagonista.
O autor descreve que, nas conversas de botequim, ao ser citado o nome Hermínio surge a pergunta: “Mas esse cara está vivo?”. Pavan atribui a dúvida aos parceiros e artistas com os quais Hermínio é associado, como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Villa-Lobos, Clementina de Jesus, Aracy de Almeida.
Em entrevista a um jornal, Hermínio respondeu sobre tal questão que essas pessoas têm toda razão de pensar assim, afinal ele também pensa. Disse, ferinamente: “A primeira coisa que faço ao acordar é ler a seção de obituário no jornal para saber se não morri…”.

Mário de Andrade, o guru
A devoção de Hermínio por Mário extrapolou os livros. Além de ter residido no prédio em frente ao apartamento que o autor de Macunaíma viveu no período em que estava no Rio de Janeiro, Hermínio jura ter visto quando criança a figura de Mário na Taberna da Glória, bar que freqüentou na adolescência e também quando adulto, e ponto de encontro de artistas de vanguarda na cidade.
As feições de Mário, assim como suas idéias, não saíram de sua cabeça. Publicou em 1999 Cartas cariocas para Mário de Andrade, reunião de crônicas sobre o escritor, e lançou o livro na mesma Taberna da Glória.
“Sou um brasileiro desbragado. Sou totalmente impregnado pelo Brasil. Falo e penso como brasileiro sem abdicar do jazz, da música erudita, do folclore internacional. O verdadeiro nacionalismo foi ensinado por Mário de Andrade: ouvir tudo, ter os ouvidos atentos a tudo o que há de bom no mundo”, explica Hermínio.

Zicartola
Amor em nome do samba, da Mangueira, da boa cozinha. O Zicartola, bar de um dos casais mais ilustres do mundo do samba, Dona Zica e Cartola, foi fruto de um coletivo de artistas que, ao atentarem para o talento de Zica na cozinha e de Cartola no samba, resolveram colocar a mão na massa e abrir o estabelecimento, que ficava no sobrado da rua da Carioca, 53.
Hermínio, que se dividia em inúmeras atividades, era responsável pela confecção do cardápio do Zicartola. Todas as noite, batia ponto no bar, que se transformou num dos redutos da boemia no Rio. Nomeou algumas criações gastronômicas de Zica, como “Feijão à Nelson Cavaquinho” e “Filé à Ismael Silva”.

Manuscrito sonoro
Timoneiro vem acompanhado de Manuscrito sonoro, CD com poemas e canções inéditas de Hermínio Bello de Carvalho. As letras e a ficha técnica podem ser consultadas na edição, que reúne ainda referências bibliográficas e discografia, com composições e produções musicais do artista.
O legado de Hermínio Bello de Carvalho é extenso. Além de sua vasta produção autoral, relançou artistas como Nora Ney, Zezé Gonzaga, Elizeth Cardoso, e divulgou pérolas como Clementina de Jesus.
Não é à toa que Hermínio afirma que “Não vim aqui para fazer gracinhas”.