sábado, 3 de fevereiro de 2007

Jornal do Brasil - 30/01/07


O Forrest Gump da MPB
Por Marcelo Migliaccio

Um dos personagens mais presentes na história da Música Popular Brasileira nos últimos 50 anos acaba de ganhar uma biografia que documenta mais a própria MPB do que o biografado – o poeta, cantor e produtor musical Hermínio Bello de Carvalho.
Nas páginas de “Timoneiro” (264 págs., editora Casa da Palavra), o jornalista Alexandre Pavan conta como o adolescente que assistia maravilhado aos programas de auditório da Rádio Nacional, na Praça Mauá, foi sendo tragado pelo mundo musical.

- Num primeiro momento, eu era só um espectador, mas, aos 16 anos, virei repórter de uma revistinha furreca e aquilo me abriu as portas daquele universo encantado - lembra Hermínio. - Entrevistava ídolos como Linda Batista e Dalva de Oliveira.
Ao mesmo tempo em que já ganhava a vida como escriturário, colaborava com outras publicações e se enfronhava ainda mais no meio musical:

- Sabe lá o que é ouvir Francisco Alves tocando violão dentro do carro da Linda e ir com ela a Petrópolis para conhecer o presidente Getúlio Vargas?
Mas a época de repórter-tiete durou pouco e o livro, que terá lançamento em São Paulo no próximo dia 12, mostra a carreira de compositor de Hermínio, iniciada com o samba “Alvorada”, composição de 1964 em parceria com Cartola.

- O letrista foi aos poucos abafando o poeta - diz Hermínio, que lançou 20 livros, entre eles a biografia de Aracy de Almeida, “Araca - Arquiduquesa do Encantado” e “Embornal”, de poemas.
Atualmente envolvido com uma oficina na Escola Portátil de Musica, na Glória, que forma músicos com ênfase na linguagem do choro, Hermínio diz que seu trabalho é passar o que aprendeu com tanta gente boa.

- A garotada está diante de um senhor de cabeleira branca que conviveu com Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Radamés Gnattali e Sarah Vaughan. Eles se emocionam quando vêem programas que produzi com Isaurinha Garcia e Clementina de Jesus.
Encartado no livro “Timoneiro” está o CD “Manuscrito Sonoro”, com poemas e canções de Hermínio nas vozes do próprio e de Zélia Duncan, Zé Renato, Moacyr Luz e Joyce, entre outros. O destaque é a inédita “Obrigado, Cartola”, parceria de Hermínio com Paulinho da Viola. Clementina de Jesus é um capítulo à parte, pois foi Hermínio quem a descobriu para o Brasil, na Taberna da Glória, em 1963. Ela foi uma das estrelas do musical “Rosa de ouro”, a grande virada na carreira de seu "padrinho".

- Comecei a fazer uma mistura de musica popular e erudita nos shows. Na época foi uma sensação, porque havia a predominância da bossa nova de um lado e da jovem guarda do outro. Dali, saiu o disco “Elizeth sobe o morro”, o maior da carreira da Elizeth Cardoso.

O livro de Pavan contempla ainda as chamadas “herminices”, que, segundo Zélia Duncan escreve no prefácio, são “causos” em que o biografado imprime sua marca bem-humorada. Um deles foi seu inconformismo com o fim da novela “Belíssima”, exibida pela Rede Globo recentemente.

- Eu adoro a Fernanda Montenegro e ficou um vazio quando a personagem dela saiu do ar - conta. - Aí comecei a escrever outros capítulos e mandei por e-mail para amigos. Criei até uma irmã gêmea para a Bia Falcão.
Não é difícil ver que Hermínio sente um grande prazer ao olhar pelo retrovisor, no qual enxerga tantas passagens que não cabem numa página de jornal. São suas empreitadas em 12 anos de Funarte, o projeto Seis e Meia, a luta pela moralização dos direitos autorais, os discos que produziu, os musicais.

- Odeio corrupção, hipocrisia, foi uma herança que aprendi com toda essa gente que suportou minha insuportável vocação operária dentro da área cultural. Acho que mereço o epitáfio que criei para a minha lápide: '”Não vim ao mundo para fazer gracinha”.

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